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Mostrando postagens de agosto, 2015

Essa, eu preciso contar a minha mulher

Volto pra casa e dou com Victor ainda em pé. E aí? - quer saber. A pior viagem da minha vida. Gente grosseira, cidade suja, lixo de comida; tudo é exagero e entretenimento ali. - desabafo. Ele abre o sorriso dos justos e fala: não lhe disse? a única coisa boa de ir aos Estados Unidos é o alívio de cruzar a fronteira de volta ao Canadá. E me deseja os bons sonhos de que preciso. Não sei se são os Estados Unidos, ou se é apenas Chicago. O fato é que, voltando a Toronto, paramos em uma cidadezinha de Indiana para os shopaholics fazerem mais uma das muitas compras. Três horas de purgatório. Mas uma simpática cafeteria e o Jonathan Franzen na malinha prometem salvação. Depois de três dias, volto aliviado a entender algo do que me dizem em inglês. - Não se preocupe, nem eu entendo o que falam naquela bagunça que é Chicago. - diz a atendente. E me deseja boa leitura ao som da musiquinha francesa clichê que ecoa não sei de onde. Pego o dicionário e

Paris pode ser tão sem graça quanto

Os amigos pedem notícias e querem que eu confirme a impressão nossa de cada dia: qualquer país do mundo desenvolvido é melhor que o Brasil. Se é assim, por que voltar? Conte os ministérios aí com a mão, que são poucos. - garante um. Eu conto e descubro que o gabinete do Primeiro-ministro tem 48 pastas, ocupadas por 38 titulares. Até os veteranos têm uma só pra si. Certamente, os canadenses não pagam impostos pra sustentar vagabundos. - assegura outro. Mas Jina reclama todo santo dia da carga tributária pesada para custear os benefícios do estado de bem-estar. Até mãe solteira ganha bolsa do governo! - seu desabafo predileto. Eu lhe digo que também há muita revolta no Brasil contra os impostos pagos, mas as realidades são diferentes porque ela conta com educação, saúde, segurança e transporte públicos de qualidade. Ela confirma que o sistema de transporte é excelente, não tem nada a reparar no atendimento médico e diz que, se alguma ameaça à paz

Aguarde o frio chegar

Se a primeira impressão é a que fica, meu cartão de memória já gravou para sempre a imagem da gentileza dos moradores de Toronto. Levei menos de uma rotação pra descobrir. Feitas as apresentações em casa, saí à rua com Jina para conhecer pontos de referência e comprar o cartão de transporte. Na altura da ladeira em Finch Av., um rapaz se aproximou. Tremi. E pensei: nem dormi a primeira noite e já vou ser assaltado! - Senhora, há uma bicicleta descendo a rua atrás de vocês; cuidado pra não se machucarem. Dupla vergonha. Primeiro, por ter pensado mal do garoto. Segundo, por ter me sentido um bruto. Relatei o susto e a catarse a Jina, que sorriu: "É sempre assim com os brasileiros." As demonstrações se sucederam com a rapidez do verão canadense. No dia seguinte, abri o mapa em Front St. e uma senhora surgiu do nada oferecendo ajuda.  No almoço do terceiro dia, a garçonete me serviu água de graça e, quando se deu conta de que eu a havia bebido num

Isso aqui não é a Inglaterra

A imagem mais antiga que tenho do Canadá vem da velha Mirador do meu pai: as duas torres curvadas da prefeitura de Toronto, em torno de uma tigela que lembra o Senado brasileiro. Segunda passada foi feriado - Civic Holiday. Então, desci ao Centro para ver se a imagem batia com a realidade e conferir o que se passava na praça da prefeitura em dia de festa cívica. O edifício não me pareceu tão impressionante quanto a memória de infância fazia supor. Na praça, apenas alguns turistas vendo a cidade através dos celulares e um balcão oficial de informações. - O que é exatamente o Civic Holiday? O rapaz a quem pergunto pede ajuda a uma moça que me estende um folder e explica que em Fort York posso conferir algumas celebrações à tarde. Não entendo o fim da frase. Mas faço minha primeira descoberta: York era o nome original do povoado que existia à beira do lago Ontário e em torno do mercado, da igreja e da prefeitura, alguns metros a leste da atual. Come

Crônica madrugada

De vez em quando, dormir é aventuroso. Outro dia, aliás, outra noite, sonhei que a revolução cubana estava em curso no sétimo andar do San Pietro, aqui na Bela Vista. Da janela, Fidel Castro prometia tomar a cidade antes do amanhecer. A resistência havia sido organizada três casas e um terreno baldio a oeste, mas dava sinais de queda iminente. Os rebeldes forçavam a porta quando, num sobressalto meu, Campina não se tornou Havana. Já fui preso por deserção na casamata de Hitler. Usei bengala e com ela impedi Bioy Casares de retirar certo livro da Biblioteca Nacional de Buenos Aires. Vi Jesus de Nazaré numa sacada em Salvador. Mas nada se compara à noite, aliás, ao dia em que o carteiro chamou na calçada e me entregou uma caixa dentro da qual estava a caveira de Ricardo III, com cartão assinado por Elizabeth II. Um sonho! Um sonho! Minha insônia por um sonho! E se o sono descambar em pesadelo, que os cílios vibrem e os olhos voltem a rasgar o escuro ha