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Mostrando postagens de 2021

O outro 7

A independência do Brasil foi mais que um grito às margens raquíticas do Ipiranga. Foi um processo que envolveu variados grupos e interesses e poderia ter tido desfechos alternativos. O Brasil já era, em 1808, o centro econômico do Império Português. Portugal tanto o dirigia quanto dependia dele. Mais que fugir de Napoleão, D. João VI instalou sua Corte no Rio antevendo futuros. A criação de tribunais, chancelaria, intendência de polícia, entre outros órgãos, exigiu a organização de uma burocracia para fazê-los funcionar. Só o Paço Real gerou cerca de mil novos empregos. Quando a revolução liberal eclodiu no Porto, passados 12 anos, já se consolidava no Rio uma elite de comerciantes, bacharéis e profissionais liberais muito bem atrelada às engrenagens estatais. Não à toa, em nosso tempo, o historiador Evaldo Cabral de Mello chegou a dizer que a Independência foi dirigida por esta elite, por não aceitar perder para Lisboa a fonte de recursos e privilégios. O fato é que, na entrada dos a

A piada do Papa

Fui ajudar meu pai a declarar o imposto de renda e o encontrei revoltado com o Papa. Que o presidente da República diga asneiras, mal se tolera, mas o presidente não passa de um homem. Já o Papa é o Papa. Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, Patriarca do Ocidente, Vigário de Cristo na Terra. O Papa não pode se dar ao luxo de soltar gracinhas; ele fala por Deus e Deus não fala tolices. Meu pai não chega a ser um católico praticante. Talvez, seja muito mais um católico por formação que por convicção. E sua formação se iniciou nos anos 50, quando pontificava em Roma o Papa Pio XII. Eugênio Pacelli foi um pontífice muito solene. Estava tão convencido de representar Deus que cada gesto, cada palavra, cada piscar de olho seu era encharcado de sacralidade e mistério. Os funcionários do Vaticano, por exemplo, eram instruídos a se esconder quando o Papa aparecia. Afinal, se Deus não podia ser visto em sua glória, por que se veria o reflexo do seu esplendor? Pio XII acreditava de tal modo que falav

Bravo!

Houve um tempo em que vi muita televisão. Ali, de meados dos anos 90 a meados dos 00, acompanhava telejornais e programas de entrevistas, via filmes e não perdia a boa e velha novelinha. Foi o tempo em que Eva Wilma entrou na sala de casa como Zuleika Sampaio, Marietta Berdinazzi, D. Maria I, Luisinha Negrão (a sogra de JK) e Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque. Mas ainda não foi aí que me apaixonei por ela. Isso foi obra e arte de Roberto D'Ávila, cuja Conexão eu não perdia - na sexta à noite ou reprisada depois do jantar dominical - nem que a vaca tossisse. Foi lá que vi Eva Wilma sendo ela mesma. Sentada em um cadeira, falando com inteligência e elegância sobre teatro, cinema, televisão, política e sua própria vida. Nunca mais deixei de amá-la. Bruna Lombardi era a musa de Mário Quintana, Guilherme Karan era o colírio dos olhos de Sebastiene (uma prima nossa que andava pela casa de vovó), Eva Wilma era a senhora do meu pensamento. Anos depois, bati às portas do altar

História, 31 de março de 2021.

Brasileiros, Há quase 25 anos tenho acompanhado de cá as notícias daí, com as dificuldades que minha atual posição impõe. As ondas chegam aqui com tantas interferências que não sei se as escuto ou deliro. Se bem escutei, estou a par de que há 2 anos governa o país o senhor Jair Bolsonaro, capitão insubordinado que, não mais podendo ser o mau militar que era, tornou-se péssimo deputado. Em meus anos de presidência, atravessei noites em claro e dias de pesadelo, equilibrando-me entre o movimento democrático e a arena de perseguição, tortura e morte, aberta pela anarquia militar. Fiz o que pude para conter a tigrada e devolver os militares aos quartéis, certo de que só a promoção do desenvolvimento nacional cortaria em definitivo os laços entre a política e as Forças Armadas. Não foi fácil. Na véspera da demissão do general Ednardo d'Ávila, passei a noite em claro. Em outubro de 1977, para demitir o general Sylvio Frota, precisei contar com um revólver na gaveta. A anarquia era tamanh

Ramos de oliveira

  Hoje cedo, quando acordei, minha irmã lembrou ao telefone os velhos tempos em que arrancávamos folhas de palmeira do jardim para ir à Missa de Ramos. Agitar aquelas folhas era uma diversão. Boas lembranças. Melhores ainda porque me trazem outras, meio pessoais, meio históricas. Sou um apóstata que manteve certo fascínio pelo abandonado credo. E o fascínio tem suas causas. Adoro observar, por exemplo, como o catolicismo romano preservou, em seus códigos e rituais, elementos da antiga cultura greco-romana e os trouxe, metamorfoseados, até os nossos dias. Vejam o caso do Domingo de Ramos. Os quatro evangelhos narram com variações a entrada de Jesus em Jerusalém. Mateus fala em vestes e ramos de árvores espalhados pelo chão; Marcos, em vestes e ramos apanhados no campo. Lucas, por sua vez, menciona apenas as vestes. E João é o único que dá nome ao tronco: eram ramos de palmeira. Mas havia palmeiras em Jerusalém? - perguntam-se alguns estudiosos. O próprio João conta que Jesus encontrou u

No fundo do Poço

O Carnaval passou, por isso estamos em boa hora de evocá-lo. Aliás, creio que foi Maiakovski quem afirmou: só se deve tratar de um tema quando já vai longe o tempo que o gerou. Mas não me refiro ao Carnaval de terça, que ainda tem álcool no sangue. Falo de quando o lepo-lepo não era canção de ninar em Cabedelo e tia Mércia nos colocava para dormir ao som do mar e de Lua Bonita. "Pra que casaste com um homem tão sisudo Que come dorme faz tudo, dentro do teu coração?" Por sinal, em 1990, o Carnaval era tia Mércia, que liberava o pó de Maizena, extraviava os ovos da dispensa e liderava a folia do mela-mela. Isso se dava no Poço, muito antes do asfalto na Vitorino Cardoso. E se deu muito mais. Foi por essa época que titia voltou de uma temporada fora do país, trazendo idéias avançadas. No Carnaval, vestiu o marido de mulher: saia, blusinha, saltão, chapéu, pintura no rosto e argolas nas orelhas. Tudo mascarado, ela saiu pela vizinhança, arrastando a cauda de sobrinhos, para apres