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Mostrando postagens de setembro, 2015

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Não sei quem foi Frances, mas sei que em junho de 1934 ganhou de R.G. uma antologia dos ensaios de Emerson e não deixou no livro pista alguma do que, muito menos de como leu. Também não faço a menor idéia de quem foi Susan L. Kobel, mas sei que comprou o livro que um dia foi de Frances e não perdeu tempo em demarcar território com um senhor Ex Libris. Digo 'sei que comprou', mas deveria dizer que suponho, assim como suponho que Susan obteve o livro depois de Frances; e vocês me digam por favor se estou viajando além da conta.  Suponham comigo. R.G. foi alguém que privou o suficiente da intimidade de Frances para ir direto ao ponto (To Frances – June 1934) e não perder tempo com torneios como nome completo, best wishes and kisses. Se o presente não foi de Natal, há de ter sido de aniversário, formatura, ou viagem - não sei. Mas aposto os dois olhos da cara que Frances foi a primeira dona. E aqui chegamos à suposição. R.G. não teria dado d

E nós sabemos como fazer

Victor Shalma nasceu no Marrocos, logo após a fundação de Israel, em uma família que escapou ilesa do Holocausto. Aprendeu francês na escola, hebraico em casa e árabe na rua. Ainda criança, começou a padecer de uma doença que ele não sabe ao certo nomear e os médicos não sabiam ao certo tratar. A mãe leu no conjunto um chamado divino para a Terra Prometida. A família mudou-se para Tel Aviv, ele sarou repentinamente e a mãe viu que Elohim é bom. Mas Victor não se tornou muito religioso e preferiu tratar de ganhar a vida com as próprias mãos. Durante o serviço militar, aprendeu a manobrar tratores e fazer carpintaria. Certo dia, ouviu dizer que o Canadá precisava de braços fortes para derrubar árvores e trabalhar a madeira. Leu nisso o sinal da sorte. Comprou passagem, singrou o choro da mãe, não se deu com o francês de Québec, fixou residência em Ontario e, como garante orgulhoso, quase fez grande fortuna. Bom coração e mulheres. "Por causa di

O velho meu avô

Vovô Toinho me dizia que a vida é difícil e, para provar, falava do sono que sentia quando, ainda criança, era acordado cedo para trabalhar na fábrica artesanal de lanternas orientais da família. Também me dizia que o desconcerto do mundo vem do Império Romano e, para provar, pegava sua velha edição do Espártaco de Howard Fast para ler algum trecho por ele sublinhado. Não se dava com o fato de Portugal, tendo menos de cem mil quilômetros quadrados, ter conseguido colonizar um país com mais de oito milhões de quilômetros quadrados como o Brasil. Mas se dava com a sorte e via em Elizabeth II da Inglaterra a prova mais evidente de sua existência. "Ela não teria sido rainha se o tio não tivesse abdicado." - repetia, como se não repetisse. Contava os aperreios da vida de viajante comercial com o sorriso triunfal de quem, ao fim, sobreviveu. E sorria ainda mais de como, em meio aos aperreios, soube divertir-se em alto estilo. Lamentava não ter

E o sobrinho dele também

Ouvi de não lembro quem há não sei mais quanto tempo que só é preciso conhecer três pessoas para vir a conhecer qualquer tanto neste mundo de muitos humanos e ainda mais deuses.  Ai, lembro sim.  Era um otimista, com as virtudes e os vícios do tipo. Conhecia um professor que conhecia um ex-ministro que conhecia um ex-presidente da República - e tirem vocês suas conclusões. Ou guardem todas para o que vou lhes dizer: não faz três rotações que fui ao cinema e, como quem come pipoca, quase saí de lá com o endereço de um Nobel de literatura na agenda. Tudo bem, eu sei. O tal premiozinho só faz sucesso entre leigos e amadores; mas esse quase-amigo escreveu uma página impagável sobre a arte de fingir menosprezo. Vale, pois, a crônica. O fato foi o seguinte: conheço a colombiana Sara, que conhece o peruano Michael, que conhece um sobrinho de Vargas Llosa em Lima. Saímos pra papear, ver The Man from U.N.C.L.E. etc e tal. Conversa vai, convers

Quanto mais simples, melhor

Prometi resistir, mas me deixei cair na tentação. Antes que o primeiro mês se completasse, pedi indicações, corri à livraria e, com o alívio de quem goza ao pecar, procurei uma gramática. Acontece que, pra quem foi criado com Celso Cunha e Anézio Leão na dieta em louça de pavão, o prato de batata não desceu pela goela. Se ao menos houvesse umas cebolas pra dar gosto. Os gramáticos de cá escrevem manuais, orientados para o uso e conforme o nível do falante. Iniciante? Compre a básica. Intermediário? Tarja azul. Avançado? Aquela outra, à direita. E que é das citações dos clássicos? Onde aquele passeio por dez séculos de língua em busca do brilhante mais reluzente? Dois ou três versinhos em meio aos exercícios de fixação? Esqueça. - Em inglês, quanto mais simples, melhor. - diz a professora Hayley. Ouço com a resignação embalada pelos cabelinhos brancos que já vão ponteando no queixo. E penso nos dicionários, que marginalizam certos moradores como habi