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Mostrando postagens de 2022

O coração de Pedro

Por esses dias, andei me lembrando de outros, que logo mais completarão 25 anos. Era setembro ou outubro de 97. Eram os dias do centenário de morte de Santa Teresinha do Menino Jesus. Menino de igreja, devoto da santa, fiquei em festa ao saber que as relíquias dela viriam ao Brasil e viajariam em peregrinação mística por várias dioceses do país, inclusive a de Campina Grande. Foi então que as freiras das Clarissas me chamaram. O mosteiro havia sido escolhido para acolher a urna com os ossos sacros e elas precisavam montar uma escala de homens para fazer a guarda. E assim se fez. Qualquer pessoa que queira compreender o catolicismo romano, em suas dimensões psíquicas mais íntimas, precisa prestar - boa e crítica - atenção ao que vou contar. Chegou o dia. Quando veio minha vez de fazer guarda, fui tomado de uma emoção que até hoje sou incapaz de descrever. Estar ali, diante daqueles ossos, reduzia-me a culpa e aumentava a virtude. Era como se a mera visão da urna tivesse o poder mágico d

Pernas, bem vos quero

Semana que vem, minha segunda lembrança mais antiga completa 36 anos: era o velório de vovô Velhinho, meu bisavô, e eu, na pontinha dos pés, apoiava as mãozinhas no caixão pra ver o morto. Aí vinha algum adulto e me afastava do espetáculo fúnebre, dizendo que ali não era lugar pra criança. Mas ali era a sala da casa dos meus avós e, no meio dela, haviam colocado uma cama florida. Dentro da cama, dormia o Velhinho que, não bastasse a lembrança macabra, veio a ocupar outra: a primeira mais antiga que carrego - a dele vivo, sentado na cama, sem um perna, fitando o vazio. Não sem razão, vovô Velhinho inaugurou minhas inclinações filosóficas. Criança, eu chorava pensando que todos estávamos fadados à mesma e sufocante sina daquele homem: a vida eterna. Mas não é de metafísica que quero falar hoje com vocês. É de física mesmo, porque do lado de cá nascemos, crescemos, frutificamos, morremos. E é do lado de cá que ficam as pernas e os pirulitos. Imaginem vocês que recebi o diagnóstico de pré-

Mas pra que serve isso?

Talvez seja essa a pergunta que mais escuto quando comunico a alguém que tenho me dedicado aos estudos clássicos. E as duas respostas, que de fato me movem, nunca parecem satisfatórias. Uma: quero ler no original textos antigos que até hoje ecoam em nossa cultura literária. Duas: quero ler as fontes documentais e epigráficas dos processos formativos dos cristianismos originários. É um interesse no passado remoto que justifico, para mim e para as pessoas, com um olho no presente: acessar o anteontem para compreender dois fenômenos culturais do hoje - literatura, religião. Mas a resposta nunca responde. E quem danado se interessa por isso? Uma zapeada no Instagram e sabemos que os perfis classicistas contam, quando muito, alguns milhares de seguidores. Mas o tempo presente quer saber de alcance digital e sucesso comercial. As conversas de bar e zap giram em torno de trending topics & tops 5. "Entre no BBB!" é um conselho de mãe - a minha. Se o presente justifica-se a si mes