Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de junho, 2020

Em torno da pizza

Por esses dias de muito iFood e pouca praça de alimentação, foi o entregador quem se encheu da falta de campainha no muro e esbravejou: que custa facilitar meu trabalho, gente?! Custa pouco, meu senhor. Mas custa sempre. Esse muro já viu campainhas dos mais variados formatos, volumes e timbres, mas nenhuma perdurou mais que o tempo do ladrão. Assim é que cansamos de fornecer mercadoria gratuita à feira de roubos & furtos e, não sem remorso, deixamos carteiros, entregadores e agentes da Sucam ao sabor dos pulmões. O bom homem aceitou a explicação e aproveitou para esticar a conversa. Falou, ou melhor, sussurrou que não desce da moto sem antes dar uma boa espiada nas copas das árvores. - Nunca se sabe, né? Vai que o ladrão lá está de esguelha, esperando a hora de dar o bote na presa. E o burro de carga aqui, já sem eira nem beira, fica sem besta nem frete! O ladrão nas árvores. Taí uma hipótese que nunca considerei, apesar de não faltar engenho aos ladrões que por aqui passaram nos ú

Uma reunião ilustre

- Celulares desligados?! - Sim, Senhor Presidente! - Câmeras de segurança também?! - Sim, Senhor Presidente! - Então, vamo começar e terminar logo essa porra, que tou apressado. - Posso começar, Presidente? - Manda ver, Paulo. Mete fundo. Soca com força! Ha ha ha! - A gente tá fazendo um puto de um trabalho pra implantar o capitalismo selvagem e você, Jair, tem contribuído bastante, desempenhando com perfeição o papel de bobo da corte. Não fosse essa gripezinha do caralho, a gente já taria bem mais homem-lobo-do-homem. - Perfeito, Paulo. Per-fei-to! Tem que acabar com essa Constituição comunista mermo, botar fogo no Congresso, com o Supremo e tudo e limpar a área pra tirar o sangue desses babacas aí que votaram, ou não, em mim! - Presidente, falando em limpar a área, eu acho que a gente deveria aproveitar pra derrubar a Amazônia inteira de uma vez por todas pra criar soja e plantar gado. - Isso aí, Ricardo! Essa porra aí de floresta, aquecimento global e ambiente é coisa que muito prof

Uma boa intenção

A coisa mais entristecedora do mundo, depois de uma live de Roberto Carlos e da musiquinha que toca em Chaves quando todos partem pra Acapulco e ele fica sozinho, é o saxofone. Teve razão Lygia Fagundes Telles quando pôs um saxofone nas mãos do seu personagem, digamos, mais esperto. Com que outro instrumento ele poderia fazer brochar o rival? Uma velha amiga costuma dizer que nada dá mais toque de classe a uma festa que - o saxofone. Já tentei por todos os meios sentir essa revelação, mas tudo o que sinto é danação. Estou lá, lépido e fagueiro, entre taças e petiscos, quando o saxofone invade o salão, como Lampião a Sousa dos anos 20. Vai-se a alegria, ficam os dedos nervosos sobre a mesa. Que me perdoem Ivanildo do Sax, Homer Simpson e Bill Clinton, mas sua arte nada mais fez, até aqui, que aumentar os lucros de psiquiatras e fabricantes de antidepressivos. Vá lá um tristofone na orquestra. Entra o fagote no primeiro compasso, vêm as flautas no segundo, soam os violinos, ribombam os t

20 bestidades atualizadas

01. Vovô Toinho aconselhava: organize sua vida até os 30, que depois disso vai tudo ladeira abaixo. Fui um adolescente impressionado por esta fatalidade. Depois me dei conta de que, quando vovô nasceu, a esperança de vida do brasileiro nem chegava aos 40; quando ele alcançou os 30, ela mal passava dos 50. Em 2020, o conselho de vovô está caduco. 02. Trabalho desde os 17 anos. Fui professor e advogado. Sou burocrata. À beira dos 40, estou farto de reuniões, processos e sistemas. Gostaria de ser Montaigne e me retirar para uma vida entre flores e livros no campo. Sem bichos, por favor. Mas as economias não me sustentariam por mais de um ano. E a situação previdenciária só piora. 03. Publiquei 4 livros de pouco valor artístico e ainda menos leitores. Sonhei com a glória literária e, após muita psicanálise no juízo, admiti e assentei que tudo não passou de uma extensão de delírios pretéritos. Agora, só escrevo crônicas e me sentiria realizado numa chácara em Bananeiras, com marido, vitrola