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Mostrando postagens de dezembro, 2015

A morte do rei

Eu estava pra lançar aqui o quiz: pelos próximos três anos, o chefe de governo no Brasil será Michel Temer ou Renan Calheiros? Mas veio o bom dia da Lava Jato e embaralhou a próxima rodada. Saí por aí, então, no passeio do sábado. Clique aqui, download ali, topei com uma notícia de 1986 no New York Times: George V da Inglaterra contou com uma injeçãozinha do médico pra morrer apropriadamente. Havia anos, o rei padecia de problemas respiratórios que, no começo de 1936, agravaram-se. O ar sumiu dos pulmões, a morte deu o ar da graça e a família chamou o médico: que ele não sofresse tanto. Mais que isso: se tinha que morrer, que fosse a tempo de o anúncio sair nos jornais matinais, e não nos tabloides de fofoca vespertinos. Na mesma noite, alguém ligou pro Times: - segurem a edição! Dali a pouco, uma enfermeira preparou um sossega-leão e George, afundado na própria juba, desejou-lhe a maldição antes de dormir para não ver a mistura de morfina e cocaína q

Meu primeiro, não foi assédio

Nevinha não tinha disfarces. No primeiro dia de trabalho, quando riu, me olhou e disse o próprio nome, eu já soube que havia ali algo que perturbava sem que eu soubesse como nem por quê. Ela passava rindo, rebolando, convidando ao que eu não sabia ainda o quê. E os homens da família faziam cara de sério, as mulheres faziam cara de quem saía do sério. E as crianças? Bom, eu era criança e, onde havia interrogação, seguiam-se as reticências. Comecei, pois, a ter mais sede que de costume, a beliscar as panelas, a querer enxugar os pratos depois do jantar. E da cozinha começaram a sair risadas, grunhidos, silêncios. Vovó vinha fazer vistoria. "É só o menino aprendendo a rezar a ave-maria." Vovô vinha passar o pente fino. "É só o menino aprendendo a rezar o padre-nosso." E me chispavam pro quarto. Quando a casa ficava vazia no meio da tarde, ela vinha me trazer o lanche. Bandeja vazia. "Tenho coisa melhor pra te dar!" - ela

É tudo, tudinho

Cadarço torado, vou às antigas Brasileiras, que têm um nome não muito novo ao qual nunca me acostumei, e saio de ponto em ponto até parar na única em que o dono diz: - tem sim sinhô. E são tantas as cores e tantos os tamanhos que me espanto ao saber que o meu é modelo antigo, fora de circulação. Penso na ciência dos sapatos, imagino o soneto dos cadarços, mas é de crise que seu Antônio fala: - Cheguei a apurar duzento por dia, mas (repare mermo) hoje inteirei vinte com essa venda e já tou me dando por satisfeito. Pergunto se tem tido dificuldade pra pagar as contas, se espera a recuperação pra logo, se atribui a culpa da situação ao governo federal e se vai se revoltar antes que o caldo entorne. - Olhe, é tudo, tudinho culpado, mas revoltado mermo eu tô é com as fábrica, que tão me deixando sem sortimento. * Saio de um encontro e, suando pelas canelas, pego um táxi. Falta um mês pro verão oficial, mas ele já tomou posse de todos os espaços e entrou em