Por esses dias, andei me lembrando de outros, que logo mais completarão 25 anos. Era setembro ou outubro de 97. Eram os dias do centenário de morte de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Menino de igreja, devoto da santa, fiquei em festa ao saber que as relíquias dela viriam ao Brasil e viajariam em peregrinação mística por várias dioceses do país, inclusive a de Campina Grande.
Foi então que as freiras das Clarissas me chamaram. O mosteiro havia sido escolhido para acolher a urna com os ossos sacros e elas precisavam montar uma escala de homens para fazer a guarda.
E assim se fez. Qualquer pessoa que queira compreender o catolicismo romano, em suas dimensões psíquicas mais íntimas, precisa prestar - boa e crítica - atenção ao que vou contar.
Chegou o dia. Quando veio minha vez de fazer guarda, fui tomado de uma emoção que até hoje sou incapaz de descrever. Estar ali, diante daqueles ossos, reduzia-me a culpa e aumentava a virtude.
Era como se a mera visão da urna tivesse o poder mágico de desconstituir o pecado e instaurar a santidade. Próximo daqueles ossos, eu me tornava mais próximo de ser como aquela pessoa.
Pode não ter nada a ver com Jesus de Nazaré e seu movimento. Mas tem tudo a ver com a piedade no Mediterrâneo Antigo e o comércio sacro da Europa Medieval, por isso é coisa bem católica.
E é por isso que, por esses dias, dei-me conta de que o Brasil não é mais, de fato, um país católico. A chegada do coração inchado de Pedro I é a prova do que digo. Ouçamos o seu brado retumbante.
Criticou-se o custo contábil da pompa. Bombardeou-se o anacronismo colonial da circunstância. Descompreendeu-se o simbolismo da cerimônia, tomada como coisa mórbida e vil.
Os anos passaram, tornei-me ateu, mas aqui dentro, roto e mofado, jaz o velho catolicismo, ainda capaz de reconhecer outro católico de longe: no meio da rua, ou descendo a rampa do Planalto.
O coroinha que habita em minha reconhece o coroinha que habita em Bolsonaro e sabe que, ao toque gélido da urna coronária, pulsa no presidente a emoção do menino mergulhado na magia do altar.
Diante dos ossos de Santa Teresinha, eu quis ser mais sábio, amoroso e santo. Diante do ventrículo de Pedro, que terá querido ser Bolsonaro, senão ainda mais açodado, autoritário e burro.
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