Sagitário, respondo, quando perguntam, sem convicção alguma. Creio tanto nos signos quanto em Javé ou Brás Cubas. São criações que os humanos usamos para lidar com os abismos da consciência.
Quando eu nasci, fazia 145 anos terrestres que a estrela mais brilhante de Sagitário havia emitido a luz que, no inverno anterior, meus pais poderiam ter avistado à noite, imaginando meu nome.
Quando chegar à Terra a luz que de lá saiu no instante em que dr. Everaldo me arrancou à fórceps do ventre, não haverá mais qualquer lembrança dos anos que eu terei vivido neste girador.
E as estrelas de Sagitário, ou de qualquer constelação, explodem todas tão distantes umas das outras e a diferentes lonjuras de nós, que só a perspectiva insuficiente dos antigos explica esta ilusão.
A ilusão de que o universo, sendo dotado de uma razão cósmica, conspira em favor ou desfavor de exatamente uma espécie, dentre milhões, habitante de um planeta banhado, de perto, por uma anã.
Mas aí me pego pensando em um detalhe curioso.
Por mais irrelevantes que sejamos para o movimento do universo, somos exatamente o único ponto, até agora por nós conhecido, em que uma porção ínfima deste universo tomou consciência de si.
Somos conscientes de existir, porque dotados de uma capacidade cognitiva e linguística que nos permitiu observar o que nos cerca ou nos povoa e criar mitos e conceitos para elaborar o que vemos.
Depois de algumas centenas de milhares de anos, acumulamos conhecimento sobre lonjuras, como as estrelas, ou fenômenos próximos, como a eritroblastose fetal, de que padeci ao nascer.
Com este conhecimento, promovemos a vida e a morte, tornamos nossa solidão acompanhada pelas criaturas fabricadas pela inteligência para preencher vazios e alimentar a ânsia de ir além.
Dotamos este pedaço do universo de uma abertura sensual, exatamente esta que me faz sentar agora na calçada, olhar para o espaço e tremer diante da beleza que não está nem aí para mim.
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