Pular para o conteúdo principal

A chegada do verão

As estações do ano são quatro e seus nomes são primavera, verão, outono e inverno. Assim diziam os livros de geografia da 5ª série, naqueles 30 anos longínquos que ficaram muito, muito atrás.

Como não sou geógrafo, reescrevo a Terra com a ciência das metáforas e, com a licença da crônica, digo que as estações do ano, aqui de onde suo, são duas, apenas duas: verão e menos verão.
Verão é o que sentimos chegar por estes dias. No Brasil, vem com o primeiro turno das eleições em anos pares, ou às vésperas do dia das crianças e da padroeira e da invasão de Colombo, nos ímpares.
De repente, janelas e portas abertas não servem mais, o ventilador de três marchas deixa de dar conta do serviço e, aí, a gente vai tomar banho e sai suado do banheiro só de ver a toalha estendida.
Um sujeito descido de 500 metros de serra como eu começa a sentir falta dos dias de menino, coberta e chocolate quente. Mas o mundo anda se aquecendo doidamente - até Campina se perdeu.
Resta enfrentar estoicamente a razão da natureza e botar as bermudas, desvestir as camisas, ocupar a praia ao fim das tardes de sábado e mergulhar no mar - lágrimas de Portugal e África sim,
mas princípio e recomeço da vida.
Afinal, seis meses passam voando como um áudio acelerado no zap, e abril é logo ali. Depois da Páscoa, vem Tiradentes e, antes que chegue o dia das mães, coisas boas recomeçam a acontecer.
De repente, janelas e portas abertas deixam o vento entrar e fazer sala, os aparelhos param de condicionar o ar e um ventiladorzinho, no máximo em primeira marcha, faz dormir em refrescada paz.
As toalhas desfazem a rima com o suor e até os pijamas voltam a fazer sentido. Lá por julho e agosto, vem o vento forte do Atlântico, soprando no ouvido que estava com saudade dos nossos corpos.
Saudade a que correspondemos, vestindo regatas ou vestidinhos menos curtos, deixando braços e pernas livres no ventre da rede, para mergulhar no embalo dos ciclos e ritmos do nosso mundo.

*




*

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A tão aguardada lista dos melhores livros desgraçadamente não lidos de 2023

À beira de 2024, fiz uma lista das pendências de 2023. Dois dedos de prosa com o Bei de Túnis, três palavrinhas com as quatro sobreviventes de Canudos e cinco voltas ao mundo em seis dias. Eis o começo da lista. Mas nada se compara ao espanto que eu mesmo sofri diante da lista dos livros que deixei de ler, embora a oportunidade me tenha sido oferecida por três livreiros antigos de Patos, Sousa e Piancó. Relacionar os livros talvez seja uma experiência melhor que lê-los, assim como praticar os pecados capitais ou transgredir os Dez Mandamentos é mais prazeroso que ler e reler o sacro elenco. Assim sendo, em 2023, deixei de ler: 1. Um manuscrito andaluz do século XII, contendo a tradução para o árabe do livro de Aristóteles sobre a Comédia, acrescido de comentário profético sobre certo palhaço de bigode e bengala. 2. A autobiografia autêntica de Zé Limeira, editada pelos irmãos Garnier no Rio de Janeiro em 1789, com apresentação de Bráulio Tavares e tradução para o russo medieval por Ast

Escambos

Para Alana Agra Uma festa de 15 anos. Era o embalo do sábado à noite. Paletó ao Sol para tirar o mofo, gravata se espreguiçando na cama e os sapatos de festa pedindo uma visita ao engraxate no Café Aurora. Ir ao Centro é voltar ao Centro. O Centro da loja de vovô, da Defensoria Pública na sobreloja do Lucas, onde estagiei em Direito & Miséria, o Centro da Cultura - não a de Eva Herz, a de Juarez. "Aceita pix?" - perguntei ao engraxate, que não era mais o mesmo homem sisudo por trás de um bigode, cujo nome esqueci. Faz anos que não vejo dinheiro e já nem lembro a senha alfanumérica de saque. "Pode deixar que a gente se resolve". Dois pés na fila. Fui fazer hora na livraria de minha juventude, onde desejava os livros que não podia comprar e comprava os livros que não desejava ler. A desgraçada sorte de ser um vitoriano nos trópicos. De cara na entrada, uma epopéia de Gerardo Mello Mourão foi pedindo licença para ir comigo e cantar. "Ai flores do verde pinho /

Bravo!

Houve um tempo em que vi muita televisão. Ali, de meados dos anos 90 a meados dos 00, acompanhava telejornais e programas de entrevistas, via filmes e não perdia a boa e velha novelinha. Foi o tempo em que Eva Wilma entrou na sala de casa como Zuleika Sampaio, Marietta Berdinazzi, D. Maria I, Luisinha Negrão (a sogra de JK) e Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque. Mas ainda não foi aí que me apaixonei por ela. Isso foi obra e arte de Roberto D'Ávila, cuja Conexão eu não perdia - na sexta à noite ou reprisada depois do jantar dominical - nem que a vaca tossisse. Foi lá que vi Eva Wilma sendo ela mesma. Sentada em um cadeira, falando com inteligência e elegância sobre teatro, cinema, televisão, política e sua própria vida. Nunca mais deixei de amá-la. Bruna Lombardi era a musa de Mário Quintana, Guilherme Karan era o colírio dos olhos de Sebastiene (uma prima nossa que andava pela casa de vovó), Eva Wilma era a senhora do meu pensamento. Anos depois, bati às portas do altar