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Do lado de cá do latim


Há notícia de que Marcelo Odebrecht avisou: "não haverá República na segunda-feira". Tremo, mas não tanto quanto quem certamente não dormiu de ontem pra hoje.

Em 2004, Sérgio Moro publicou artigo sobre a Mani Pulite. Dizia ele que ela era objeto de estudo para compreender a corrupção em democracias e a possibilidade de combatê-la judicialmente.

Itália, 1992: o país em crise econômica, o sistema político desacreditado, o partido socialista no poder e um de seus homens preso com dinheiro de propina no bolso.

Então, veio a delação premiada. E se seguiu a quimioterapia devastadora contra um esquema em metástase. Ao fim, morreram os principais partidos: o do governo e o da oposição.

Dezoito anos de análise me trouxeram alguns pequenos progressos, entre os quais a crença moderada nas propriedades regeneradoras da crise. Se esta República há de cair, que caia.

Mas um alerta de Moro me faz tremer outra vez: lá, a operação provocou um vácuo político que não se resolveu de modo satisfatório; quem o ocupou foi Silvio Berlusconi. Forza Italia!

Se o juiz ainda tem em mente o horizonte que traçou onze anos atrás; se há rumores de que a Polícia Federal diz que agora nenhum partido a defenderá mais; se Odebrecht fala o que faz...

... só uma coisa me inquieta: quem ocupará o vácuo do lado de cá do latim?

Então, ouço gente de bem dizer que Bolsonaro é o cara, lembro a entrevista de 2013 em que Feliciano dizia ter por meta o poder, vejo falsos profetas fazendo o Congresso de Cristo... 

... e me dou conta de que, na hora da morte, o Brasil pode se pegar a qualquer ave-maria. Tremo pela terceira vez. E temo que, ao cantar do galo, sejamos outros os que não dormiremos.

*

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